TRIBUNAL ON-LINE: Tribunal de Resolução Civil da Columbia Britânica e Tribunais Inteligentes China.
- Flávia Valéria
- 10 de jul. de 2022
- 6 min de leitura

No post O QUE SÃO TRIBUNAIS ON-LINE E COMO ELES PODEM AGILIZAR A JUSTIÇA descrevi os requisitos para que um tribunal possa ser considerado on-line não bastando processos eletrônicos e apenas audiências virtuais, requerendo para tanto a presença de ODR´s e inteligência artificial.
Nesse post, trago as observações sobre a experiência do 1º Tribunal on-line: o Tribunal de Resolução Civil da Columbia Britânica e sobre os Tribunais Inteligentes da China, para averiguar como a mudança de cultura é necessária para implementação de um tribunal on-line, que significa muito mais do que uma mera digitalização de processos ou mesmo audiências por meios virtuais.
TRIBUNAL DE RESOLUÇÃO CIVIL (CPT) DA COLUMBIA BRITÂNICA
É o 1º tribunal on-line do Canadá e, também, no mundo em resolução de conflitos on-line (ODR), tendo iniciado suas atividades em 2016, objetivando oferecer um sistema de justiça à população.
As causas submetidas ao Tribunal de Resolução Civil (CPT) se assemelham às causas do juizado especial no Brasil, possuindo jurisdição sobre acidentes de veículos, causas de até cinco mil dólares como por exemplo, referente a compra e venda de bens móveis, aluguéis, contratos, e causas referentes a sociedade e associações.
Para implementação de um tribunal on-line foi necessária uma mudança de cultura do entendimento de justiça. E para funcionamento, utiliza de alguns instrumentos procedimentais tais como:
1º) são ofertadas informações e ferramentas jurídicas gratuitas e sem necessidade de iniciarem uma demanda judicial;
2º) caso uma pessoa decida iniciar uma demanda judicial, é ofertada oportunidade na resolução do problema de forma colaborativa (intermediação via negociação e mediação);
3º) uso de julgamento como uma decisão judicial vinculativa como último recurso;
4º) uso de design responsivo para que a plataforma funcione bem em celulares, tablets e computadores;
O nível de linguagem é escrito correspondente ao nível médio de leitura de uma criança de 10 (dez) anos, garantindo que seja compreensível a linguagem para as pessoas que precisam ler (uso de linguagem simples).
5º) coleta e publicação de feedback on-line (indagando se o usuário foi tratado de forma justa e profissional, e se a decisão foi rápida);
6º) garantia de responsabilidade e transparência.
Com essa experiência, fica nítido que o funcionamento de um tribunal on-line não é tão simples como usar a plataforma zoom ou e-mail, requerendo um novo desenho para o sistema de justiça, levando em consideração as necessidades e circunstâncias dos usuários.
TRIBUNAIS INTELIGENTES NA CHINA
Em razão do regime adotado na China, e de decisões como redes sociais próprias, banindo plataformas como facebook, instagram, google e muitas outras, algumas pessoas possuem uma falsa crença de que o sistema de justiça não existiria no país. É importante destacar que toda organização humana, que é essencialmente uma organização social, possui um sistema para “dizer o direito”, e estabelecer regras de convivência social, desde os períodos tribais.
O Código Civil chinês de 1929-1931 sofreu reconhecida influência do Código Alemão, o BGB, do Brasil, da Suíça e da Rússia. O que a aproxima mais do sistema do civil law do que do common law, chegando alguns juristas a afirmar que não há o common law na China, em especial após a implementação do regime comunista em 1949 ganhando dimensão o regime Fa (nome dado ao sistema jurídico estatal) em contraposição ao sistema jurídico), em contraposição ao sistema Li (fundamento nos ensinamentos do filósofo Confúcio), que não é o sistema jurídico estatal. (para mais informações consultar o texto Direito na China.
Com dimensões continentais como o Brasil, Rússia, Canadá, Austrália e EUA, importante conhecer o funcionamento do sistema de justiça da China e averiguar como lidam com a resolução de conflitos de uma população bastante numerosa e com decisões judiciais que devem ser cumpridas em uma grande extensão territorial.
No caso da China, alguns procedimentos pioneiros foram criados para agilização do seu sistema de justiça, sendo fundamentados no grande volume de dados e inteligência artificial.
O uso de inteligência artificial e tecnologias digitais, segundo SUN FUHUI (vice-diretora do centro de TI do STP (Supremo Tribunal Popular) da China, objetivam melhorar a capacidade judicial para tornar:
I) as atividades judiciais mais transparentes – as decisões são transmitidas pela internet, com disponibilização dos veredictos ao público;
II) serviços judiciais mais práticos ao serem adotas as seguintes providencias:
a) mini tribunal móvel;
b) composição de litígios on-line;
c) tribunais on-line nas cidades de Pequim, Hangzhou e Guangzhou;
d) e-litígio – atividades processuais on-line (arquivamento de casos, audiências, mediação e fornecimento de docs).
O Supremo Tribunal Popular da China (STP), em decisão sobre o tema, confirmou que a interpretação das atividades de litígio on-line possui o mesmo efeito legal que atividades de litígios off-line.
III) Processo de julgamento mais inteligentes por meio de apps auxiliares inteligentes para que:
a) os tribunais chineses possam gerenciar os casos on-line, com base nos arquivos eletrônicos;
b) possibilitem a geração de intimações e outros documentos padrões com apenas 1 clique;
c) auxiliem os juízes a gerarem julgamentos, além de reduzir a carga de trabalho dos juízes em mais de 30%;
d) haja rápida identificação dos casos baseados em arquivos eletrônicos;
e) efetuar a juntada automática dos casos semelhantes e enviam os casos relacionados aos juízes;
f) haja a identificação automática dos sons nas audiências, com conversão em transcrição.
IV) tornar a aplicação da lei mais eficiente:
O Centro de Comando para a aplicação da lei realiza o gerenciamento integrado da análise de decisão, sendo utilizado para solucionar a questão do gerenciamento padronizado da aplicação da lei.
Remove obstáculos para encontrar propriedades e procurar por devedores.
A plataforma de audiência on-line é utilizada para solucionar a questão da execução de bens.
Importante destacar o sistema de pontuação de créditos para solucionar a questão da responsabilização por desonestidade.
Em relação ao sistema de responsabilização por desonestidade, que seria uma espécie de compliance do cidadão, que já foi muito criticado no ocidente quando as informações começaram a circular na internet, relatando projeto piloto idealizado por apenas algumas cidades da China, para implementação de um sistema de pontos para que um cidadão pudesse ter acesso aos serviços públicos, conhecido por Socs (sistema de crédito social da China).
Ele surgiu em 2000 e foi inspirado no sistema de pontuação para fornecimento de créditos muito comum

no sistema financeiro. Mas apenas em 2016 foi ponderado a criação pelo Conselho de Estado de um sistema de gestão de pontuação integridade pessoal. Em 2019, as autoridades chinesas não estavam satisfeitas com a ideia, e que as pontuações efetuadas não poderiam ser utilizadas para penalizar os cidadãos. Agora funciona como programa de incentivo, e em alguns lugares a adesão precisa ser voluntária. Atualmente são mais parecidas como um programa de recompensa de fidelidade, como os encontrados em algumas companhias aéreas brasileiras, e lojas comerciais. Para outras informações, importante acessar o texto "A pontuação de Crédito Social da China - desfazendo o mito da realidade".
V) gerenciamento padronizado de informações:
Criado para dar suporte aos funcionários dos tribunais que acessam a mesma rede.
a) Sistema de automação de executórios – AO – realiza o gerenciamento eletrônico dos assuntos do governo;
b) Gerenciamento de documentos, de casos, comunicação de trabalho – melhora a eficiência e reduz custos;
c) STP – utiliza também o sistema de supervisão de julgados para realizar o controle inteligente de audiências e serviços de litígio de tribunais de todos os níveis e estimula os tribunais do país a melhorarem constantemente tanto ética quanto a parte profissional.
VI) Tornar as decisões judiciais mais precisas:
O STP construiu uma plataforma de gerenciamento e serviços de big data no sistema de justiça para realizar atualizações convergentes e em tempo real e uma análise dinâmica das informações de casos de todos os tribunais do país, para apoiar totalmente a geração automática de estatísticas judiciais e análise inteligente da situação do julgamento. A análise judicial é baseada em big data e revela o desenvolvimento legal que fundamenta o caso para providenciar uma referência por trás da decisão. Chamaram a isso de governança social.
Apesar de toda a movimentação digital e dos procedimentos já criados, implementados e em funcionamento, o STP possui alguns projetos para lançamento futuro com o objetivo de promover mais serviços inteligentes e oferecer suporte aos usuários com ajuda do 5g, big data, IA, blockchain e outras tecnologias avançadas.
Assim como a sociedade, os sistemas de justiça mundiais têm sofrido pressão para mudança de cultura dos serviços até então ofertados, passando a abranger tecnologias e sistemas hoje à disposição, conferindo maior velocidade e efetividade para solução das demandas individuais, já acostumadas à atual velocidade de um clique de internet.
Você tem acompanhado essa evolução aqui no Brasil?

Flávia Valéria Nava Silva
Certificada pela Unic em digital currencies.
Mestranda em Blockchain and Criptocurrencies pela University of Nicosia (Institute for the future).
Pós-graduada em Direitos Difusos, Coletivos e Gestão fiscal pela ESMP/MPMA.
Promotora de Justiça no Estado do Maranhão.
Pesquisadora em inovação, futuros, direito e cidadania digital.
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