Tiradentes: o mito da República Velha
- Demetrius Silva Matos
- 21 de abr. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de mai. de 2022

Segundo o dicionário Caldas Aulete, mito significa tanto histórias fantasiosas de origem popular quanto pessoas reais ao qual são atribuídos feitos extraordinários ou imaginários.
Ao longo da história, a humanidade se valeu dos mitos tanto para explicar a realidade ao seu redor (como por exemplo o Titã Prometeu, na mitologia grega, que criou a humanidade como uma versão menor e menos poderosa dos Titãs, utilizando para tanto o barro e a lama) quanto para levantar o orgulho e a autoestima de determinado grupo populacional (a Cidade-Estado grega de Atenas constantemente se utilizava da história de Teseu, herói semideus filho de Poseidon e considerado um dos primeiros reis de Atenas, para exaltar a coragem e o valor dos atenienses).
Em resumo, a humanidade sempre precisou e ainda precisa dos mitos tanto para dar substancia a sua própria realidade quanto para serem os “heróis” idealizados a lutarem por uma causa defendida por outros. Regimes políticos não são diferentes, tais como se deu na Primeira República do Brasil, popularmente conhecida como República Velha.
A República Velha foi a sucessora do Império brasileiro no fim do Séc. XIX, originada da traição do então Marechal Deodoro da Fonseca para com seu “amigo” Dom Pedro II, então Imperador dos brasileiros. Foi fundada em 1889 e finalizada em 1930, pelos eventos que originaram a Era Vargas, existindo por um total de 39 anos, sendo até hoje o segundo período político de maior duração no Brasil (apenas superada pelo Império, que durou 67 anos).
Após ter sido implementada, a principal missão ideológica da República Velha foi a de apagar ao máximo a presença, tanto de Portugal quanto do Império brasileiro da imagem nacional, sendo o primeiro visto como um Estado predador opressor; e o segundo, como defensores de escravos e opressores do povo brasileiro. Para tanto foram tomadas várias medidas desde a “importação” de hábitos e costumes franceses para a sociedade brasileira, na tentativa de apagar os portugueses, bem como objetivando que fosse ocultado o papel de Dom Pedro II no Brasil e seus feitos, que o levaram a ser reconhecido na época, como um mecenas que sempre buscou fazer o melhor para o Brasil.
Porém, tais medidas não foram o bastante. Era preciso uma figura histórica, alguém que poderia ser utilizado para representar a vontade dos brasileiros em viver uma democracia, bem como sua unidade enquanto um povo. Não se poderia utilizar a imagem nem dos portugueses que colonizaram e “civilizaram” o Brasil (afinal, eram tidos por ladrões em busca das riquezas nacionais) nem a dos Imperadores e seus associados (afinal, eram tidos por tiranos opressores defensores da escravidão).
Isso deixou os ideólogos da República Velha com poucas opções (na falta de palavra melhor), até que então foi recordado a História de um pobre e irrelevante garoto de recados das elites mineras durante sua conspiração contra um dos impostos da coroa portuguesa.
Seu nome? Joaquim José da Silva Xavier, popularmente conhecido como Tiradentes.
Sem se alongar muito sobre a Inconfidência Minera, tal movimento foi a tentativa das elites mineras de se libertarem de Portugal, em razão da cobrança do chamado quinto, no qual 1/5 de todo o ouro escavado na Capitania de Minas Gerais pertenceria a Coroa, situação intolerável tendo em conta que o extrativismo do ouro havia começado a entrar em decadência na Capitania, forçando as elites locais a desejarem se desvencilhar da Coroa portuguesa, situação essa que levaria inevitavelmente a Independência da Capitania de Minas Gerais da então América portuguesa.
Dentro os diversos participantes, pode-se destacar Tiradentes, que era o único integrante da Inconfidência que não fazia parte da elite local e, portanto, visto como o mais dispensável de todos os membros, cuja maior função era enviar e levar mensagem entre os demais integrantes da Inconfidência.
Após um dos integrantes chamado Joaquim Silvério dos Reis ter traído o seu grupo, ao denunciar a existência do movimento posteriormente chamado Inconfidência Mineira, em troca do perdão de suas dívidas para com Portugal, Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier) e os demais integrantes foram presos.
Por alta traição à Coroa, eles deveriam ser todos sentenciados a morte, porém ao se levar em conta que a maioria de seus membros eram parte da elite minera, sua execução não seria bem vista por outros “bem favorecidos”; e, portanto, a maioria deles foram ou condenados à prisão perpetua no território brasileiro ou exilados para outros domínios distantes de Portugal, como Angola e Moçambique. Por ser o único membro “irrelevante” da Inconfidência Minera do ponto de vista econômico, Tiradentes foi o único a ser condenado a morte, por esquartejamento. Conta-se que seus apoiadores clamaram para que a Rainha de Portugal, Maria I (ela própria, a famosa Rainha louca) concedesse o perdão pelo “crime” de Tiradentes enviando presentes, e ela de fato concedeu, mas quando a anistia chegou em território brasileiro (ante a ausência de email, whatsapp ou a cobertura da imprensa por 24 h, como hoje em dia), Tiradentes já havia sido esquartejado.
Tiradentes era tudo que os ideólogos da República Velha esperavam. Um homem pobre e humilde, que lutou pela “liberdade” do Brasil (quando na verdade, o máximo que ele iria “libertar” seria Minas Gerais) e que foi preso pela “perversa” e “predatória” coroa portuguesa e infamemente esquartejado por ordens dela.
O herói trágico perfeito para ser o símbolo tanto da República Velha, quanto da luta do povo brasileiro pela justiça e pela democracia. A imagem que está no topo deste artigo, feita por Pedro Américo em 1893, busca justamente comparar Tiradentes com Jesus, mostrando aquele como o grande mártir do Brasil que morreu por ele, assim como Jesus morreu pelo que viria a ser a cristandade. Obras e homenagens como essa foram comuns durante toda a República Velha, de modo a tentar fixar no imaginário do povo brasileiro a imagem de seu mito fundador.
No fim das contas, Tiradentes foi, e ainda é, o grande mito do Brasil em defesa da liberdade e da democracia, uma vez que não existia mais ninguém que poderia valer-se dessa função, e por isso a República Velha em seu alvorecer, resgata a história ocorrida no Brasil colonial, anterior ao Império, sendo sua imagem completamente superestimada para tal, tanto que 21 de abril é feriado nacional em sua homenagem. Esta homenagem é devida? Não cabe a mim responder, até porque todos os “heróis” da humanidade cometeram faltas em uma coisa ou outra (afinal, nós humanos não somos nem bons nem maus, somos apenas humanos) e, como diz uma frase anônima: é melhor se lembrar dele pelo que dizem que foi, do que como realmente foi.
Fica essa reflexão para esse dia. Bom feriado a todos.

Por DEMETRIUS SILVA MATOS
Advogado OAB/MA
Pós Graduado em Ciências Políticas pela Uninter
Autor do livro: "Direito na Ditadura - o uso das leis e do direito durante a ditadura militar"
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