Futuro dos AirPods: patenteando o cérebro humano
- Flávia Valéria
- 6 de ago. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de fev. de 2024

O avanço das tecnologias de wearables, aquelas engenhocas tecnológicas que podem ser usadas diretamente no corpo humano como relógio, camisetas, brincos, pulseiras e o que mais a imaginação humana conseguir desenvolver, fazendo a interface diretamente com devices, como é o exemplo clássico do relógio da Apple, que realiza sem qualquer obstáculo a monitoração de batimentos cardíacos e frequência respiratória do usuário.
A novidade agora é o desenvolvimento de dispositivos para monitorar a atividade cerebral e os riscos implícitos para a atividade cognitiva. Aqui entramos na seara dos Neurodireitos.
Por isso, o pedido de patente feito pela Apple, em julho de 2023, precisa ser visto sob a ótica dos Neurodireitos.
Nessa onda dos dispositivos eletrônicos vestíveis (wearables), a proposta para o novo AirPods, que ao que parece, possui eletrodos ativos, é ter um sistema de sensor para medição de biosinais e atividade elétrica do usuário, sendo capaz de efetuar, entre outros, uma eletroencefalografia (EEG).

A patente requerida pode ser verificada no site Patent Public Search | USPTO com o pedido de registro nº 20230225659.
Será que o objetivo seria criar um “Brain Computer interface”?
De todo modo, a capacidade de medir a atividade elétrica cerebral torna o artefato apto a monitorar as reações do indivíduo em tempo real, com os apps do usuário, identificando qual a reação a músicas, vídeos, propagandas… E assim efetuar uma recomendação mais precisa e, também, o direcionamento de aplicativos, serviços, com uma impressionante possibilidade de acerto.
Claramente deixa de ser um mero dispositivo para saída de áudio e se torna uma neurotecnologia.
Os possíveis benefícios valem a pena os riscos de uma Bigtech, como a Apple e seus parceiros terem um conhecimento tão profundo a seu respeito?
Aqui entra o campo da Neurociência, que em seus experimentos frequentemente demonstra que as escolhas feitas pelo indivíduo são de base emocional, a ponto de se afirmar que:
“85% do que fazemos quase todos os dias é profundamente irracional” (Martin Lindstrom)
Esse novo conjunto de dados cerebrais passíveis de coleta, coloca a Apple, daqui por diante, em vantagem competitiva em relação a qualquer outro ecossistema de devices, por poder identificar as suas reações no mesmo instante que um evento acontece: ao assistir um vídeo, receber uma mensagem de uma determinada pessoa, ver um estilo de post numa rede social, ao ler um artigo...
E, com isso, permitir identificar o seu estado de ânimo ao realizar certas escolhas.
Como ficam as questões ligadas à privacidade cognitiva? Poder-se-ia argumentar que o usuário ao adquirir o dispositivo estaria concordando. Isso seria possível?
Importante refletir sobre alguns aspectos:
1) todos os cidadãos do planeta Terra têm conhecimento desse desenvolvimento tecnológico atual e suas aplicações a ponto de saber discernir os riscos para um “consentimento” válido?
2) a utilização de devices para captação de funções cerebrais aptas a fazer um mapeamento desse porte é possível de consentimento individual?
A humanidade está avançando para um ponto, que para além de desafiador, é potencialmente perigoso.
Lembrando que o debate e regulamentação de Neurodireitos ainda é tema recente em diversos países e os desafios já estão batendo à porta.
Hora de abordar por aqui os Neurodireitos. Por isso, no próximo post sobre a temática falaremos tanto dos neurodireitos sob os quais recai uma necessidade de proteção (privacidade mental, identidade mental, liberdade, direito ao acesso de neurotecnologias) e a construção da regulamentação sobre o tema.

Flávia Valéria
Mestranda em Blockchain e Criptocurrencies pela University of Nicosia, Chipre.
Pós-graduada em Neurociência, psicologia positiva e mindfulness pela PUC-PR.
Pesquisadora em inovação, futuros, direito e cidadania digital.
Promotora de Justiça no Estado do Maranhão.
Coordenou Projeto de pesquisa da ESMP-MPMA MP Trends
Pós-graduada em Direitos Difusos, Coletivos e Gestão fiscal pela ESMP/MPMA.
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