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Anotações sobre a História do Dinheiro Parte I

  • Foto do escritor: Flávia Valéria
    Flávia Valéria
  • 10 de jun. de 2022
  • 6 min de leitura



A história da civilização humana é um estudo fascinante. E, por isso, não poderia ser diferente a análise da evolução da história do dinheiro.

Mas o que pode ser considerado dinheiro para uma sociedade em determinado tempo e lugar?


Todo objeto, seja físico ou digital, para ser considerado dinheiro deve conjugar 3 atributos fundamentais, devendo servir como:


1) MEIO DE TROCA – possibilitando o recíproco na negociação entre o comprador e o vendedor;
2) MEDIDA DE VALOR – unidade comum de contagem para quantificar preços de bens e serviços em uma economia;
3) RESERVA DE VALOR – Não deve depreciar o seu valor ao longo do tempo, além de ser meio de transferir o poder de compra para uma futura transação. Esse atributo, resta prejudicado em situação de inflação/hiperinflação em razão do risco da perda do parâmetro de equivalência entre os bens de consumo.

A partir desse entendimento inicial, pode-se retroagir no tempo, para conhecer a evolução da história do dinheiro que se confunde, de certa maneira, com a própria história dos agrupamentos humanos, a partir da necessidade de realização de troca de produtos ou serviços e de um parâmetro de valor para essa transação.


A humanidade passou por algumas revoluções, assim consideradas por causarem disrupção no modo de vida e organização de uma coletividade até aquele momento histórico. A primeira revolução, foi a REVOLUÇÃO AGRÍCOLA pela qual os grupos humanos deixam de ser nômades e passam a se fixar em determinados territórios delimitados, ao menos por um certo período de tempo. Nesse momento, surge a necessidade de um meio que servisse para troca e medida de valor para as negociações que começavam a aparecerem, sendo assim delineada a ideia do dinheiro.


Com a fixação em determinado território, o agrupamento humano local passa a depender das condições climáticas, tornava-se apto a produzir alguns tipos de alimentos ou animais, que seriam trocados entre as pessoas desse grupo ou com outros grupos de outras localidades. Os grupos até então autossuficientes, começam a se conectarem um com os outros, para relações de trocas e vendendo o excesso da produção local. Surge, assim, as rotas de comércio, para atender as necessidades nem sempre supridas dentro do agrupamento.


À época dos coletores caçadores, o estilo de vida desses agrupamentos humanos não possibilitava a acumulação de uma quantidade significativa de riqueza, em razão do caráter nômade desses agrupamentos humanos, que produziam e consumiam, sem preocupações com estoques ou reservas de mantimentos.


Na história tradicional, normalmente é mencionada a seguinte sequência dos processos de troca (dinheiro):


1º) escambo
2º) moedas de metais preciosos
3º) o estágio atual do dinheiro fiduciário na condição de um ativo financeiro.

A evolução das sociedades humanas não segue um padrão linear, e não causa surpresa, que essa evolução clássica não seja confirmada pela antropologia e arqueologia, cujos achados encontraram na Lídia, no sec. VII (a.c.) moedas cunhadas.


Em período similar, na Mesopotâmia e Egito, os palácios e templos eram usados para armazenar grãos e outros produtos agrícolas, e, em troca, os depositantes recebiam uma representação desses produtos depositados num tablete de argila, podendo trocar esses tabletes pelo pagamento de taxas ou transferi-lo para uma terceira parte.


Muitos objetos tiveram a função de dinheiro ao longo da história, de acordo com a localidade e as regras da sociedade do momento histórico. Podem ser citados:


I) TABLETES DE ARGILA

BABILÔNIA: depositavam os sacos de grãos nos silos de armazenamento, mantidos pelo rei (embrião dos bancos) e em troca recebiam um tablete de argila (“dinheiro”) no qual estava gravada a quantidade de mercadorias deixadas e o valor atribuído a elas.

Aqui se aprendeu também a cobrar juros, inclusive compostos emprestavam os tabletes de argila a juros.

Por isso cai por terra a ideia de que a primeira forma de dinheiro teriam sido os produtos in natura, na forma de escambo apenas.


II) Sal – origem da expressão salário

Fácil de transportar e necessário para preservar a comida (não se tinha geladeiras)

III)Outros “modelos de dinheiro”: couro, peixe seco, penas de certas aves, conchas bonitas, pinga, pedras, sementes de cacau, feijão.


IV) Tabaco – Estado da Virgínia, o tabaco foi a moeda corrente desde 1607 (fundação) até 200 anos depois.


V)METAIS:

Cobre - 1º metal a substituir pedras e marfim na confecção de armas (5 mil anos a.c.)

Bronze - cobre + estanho - tornou as armas mais fortes.

Ouro - todo o ouro minerado caberia num prédio de 9 andares (escassez). 190 mil toneladas apenas.

2009 e 2019 – o preço da grama do ouro subiu 49 % contra 15% de inflação do dólar.

Prata- sec. XII (1190) Ricardo II estabelece parâmetros para a libra esterlina:

libra esterlina (libra- meio; estelina- liga de prata), com 92,5% de pureza. 1 libra estelina + meio quilo de prata boa.


VI) Discos gigantes de pedra - RAI

Nas lhas Yap, na Micronésia, que ficam a cerca de 1,3 mil quilômetros das Filipinas, a moeda local eram esses discos gigantes de pedra, cuja escassez era oriunda do trabalho dos habitantes da ilha em buscar essas pedras em canoas pequenas, enfrentando os mares por 400 km, desembarcar e carregá-las até a sede da ilha. O registro era comunitário e todos sabiam quem eram os proprietários daqueles discos enormes com diâmetro de 2 metros, pesando toneladas. As transações eram gravadas na tradição oral daquela comunidade.

Seria o modelo das ilhas Yap o embrião do que viria a ser o bitcoin?

Esse sistema comunitário foi desfeito com a chegada dos europeus em 1783, que ao perceberem o sistema de trocas na ilha, passaram a “fabricar” as pedras para trocar com os locais. Mesmo com a revolta de alguns, por entenderem que aquelas pedras fabricadas não teriam o mesmo valor por não representar o esforço e os perigos enfrentados para adquiri-las, o governante local aceitou essa jogada europeia, e com isso, chegou a abundância do dinheiro, retirando a escassez necessária a toda moeda, destruindo o sistema econômico local, que até então funcionava muito bem.




A 1ª moeda do mundo que se tem notícias surgiu por volta de 600 a.c., na Lídia, uma cidade Estado na Turquia. O governo fundiu metais preciosos na forma de pepitas com peso e grau de pureza predeterminadas e imprimindo uma gravura em cada uma das peças para marcar a autenticidade daquela moeda.



Essa experiência resultou em alguns aprendizados:


1) A legitimidade para o reconhecimento do curso legal de uma moeda, em determinada sociedade, depende da confiança, no caso da Lídia, do governante;
2) Quando o suprimento de moedas diminui, a economia também começa a dar sinais de crise.
3) Quando as minas se esgotaram e o governante não pode mais fazer as moedas para lançar na economia, apenas 2 saídas foram ponderadas:
*entrar em guerra para controlar minas em outros territórios; ou *esperar ver o colapso da comunidade local com a crise econômica.

Não é difícil imaginar a solução que o governante mais tendia a escolher.


De tão exitosa a experiência na Lídia, a cidade estado grega ATENAS, não tardou adotá-la, uma vez que a ideia de moeda criada na Lídia espalhou-se pelo mundo conhecido, em razão das rotas dos comerciantes, falando das maravilhas dessa forma de trocar mercadorias.


Por situações sociais distintas, a Atenas de Sólon teve que enfrentar uma crise financeira. De um lado, a existência de um norte rico e produtor de vinhos e azeite; e, de outro, um sul, pobre e produtor de grãos que não tinha para quem vender, pois o norte não estava obrigado a adquirir apenas os produtos do sul, podendo livremente negociar com quem oferecesse o melhor preço.


Nesse momento histórico, a escravidão por dívida era aceita, agravando mais ainda a crise social. Como todo governante, Sólon adotou algumas medidas para apaziguar a situação:


1º) Primeiro pacote de medidas:
*Proibiu a escravidão como forma de pagamento de dívidas; e,
*Usou dinheiro público para comprar de volta parentes dos devedores vendidos como escravos (normalmente para o rico norte).

2º) Segundo pacote de medidas:

Com base na confiança no governante, as pessoas acreditavam nas moedas cunhadas pelo governo, sem questionar a sua composição, ou pesá-las para aceitá-las. O que o governante dissesse que valeria, seria aceito como tal.

Com isso, Sólon passou a usar metais mais baratos para fazer as moedas: 73% de prata e o resto de cobre.

O governante atestava:

• 1 óbolo = 1,05 grama de prata

• 1 dracma= 6 óbolos


Independente de realmente ter ou não essa quantidade de metais. Era o início da fidúcia (confiança) que o governante declarava para os seus governados, passado o dinheiro a ser aquilo que o governante declara que é.


Após ter apaziguado a economia, surgiu espaço para um outro feito de SÓLON: o estabelecimento da DEMOCRACIA.


Tanto o equilíbrio da economia de Atenas quanto o estabelecimento da democracia só foram possíveis graças ao dinheiro falso que Sólon havia criado e introduzido na economia da Atenas.

A antiguidade já ensinava que para a estabilidade da democracia é preciso estabilidade econômica.



Flávia Valéria Nava Silva

Certificada pela Unic em digital currencies.

Mestranda em Blockchain and Criptocurrencies pela University of Nicosia (Unic) pelo departamento Institute for the future.

Pós-graduada em Direitos Difusos, Coletivos e Gestão fiscal pela ESMP/MPMA.

Promotora de Justiça no Estado do Maranhão.

Pesquisadora em inovação, futuros, direito e cidadania digital.

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