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"Carta Magna, Rei João sem terra e o papado"

  • Foto do escritor: Demetrius Silva Matos
    Demetrius Silva Matos
  • 12 de abr. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 25 de mai. de 2022

A assinatura da Carta Magna, em 1215, é considerada a primeira constitucionalização ocorrida na história pelo Direito, tendo sido realizada por meio de pressões entre os nobres ingleses sobre o Rei João Sem Terra, que não teve escolha além de reconhecer uma limitação de seu poder para permanecer no trono. Porém, o que poucos sabem é que o papado também teve uma pequena participação nessa história, de uma forma bem curiosa. Veremos isso a seguir.


Na Inglaterra do século XIII, o dinheiro estava sempre em falta. O Rei Ricardo Coração de Leão (muito famoso por seu papel nas cruzadas, onde forçou um empate com Saladino de modo a permitir que Jerusalém continuasse aberta aos peregrinos cristãos mesmo estando sobre controle islâmico) havia utilizado a maior parte do tesouro real para financiar suas guerras, deixando seu sucessor, João, em extremos maus lençóis. Essa situação acabou levando o novo rei inglês a se tornar extremamente ganancioso, ocasionando atitudes que hoje em dia seriam consideradas monstruosas (que iam desde a tortura de judeus ricos para extrair dinheiro, até a busca constante das amantes dos sacerdotes, de modo a impor um imposto sobre o pecado no valor de duas libras por ano para permitir a manutenção das suas concubinas sem serem denunciados). Porém, João havia cruzado por completo a linha quando decidiu taxar tanto os clérigos quanto as propriedades da Igreja na Inglaterra, sem a aprovação papal, sendo assim, inevitável atrair a ira do “Vigário de Cristo na terra”.

Na época, o então papa Inocêncio III estava comprometido a ter tolerância zero a qualquer questionamento de sua autoridade (entre 1209 e 1229 havia promovido uma cruzada contra os hereges Cântaros no sul da França, cuja única heresia era afirmar que não havia nada na Bíblia que justificava a existência de um Papa), e viu as ações de João como intoleráveis ao ousar taxar os bens e súditos de sua Igreja. A gota d’água foi quando o arcebispo da Cantuária faleceu, e o papa, como praxe havia nomeado um novo nome para ocupar o cargo, Stephen Langton, e ficou chocado quando soube que João havia nomeado seu próprio arcebispo. Foi dado 3 meses para que João aceitasse o candidato do papa e, ao se expirar o prazo sem se obter o resultado, Inocêncio III colocou a Inglaterra inteira em interdito.

Para os que não conhecem o significado de um interdito papal:


Aquela parte da cristandade sob interdito era considerada como se tivessem perdido a graça de Deus, dessa forma não poderia haver nenhum batismo, casamento ou enterro cristão (basicamente do ponto de vista católico, todos os ingleses não poderiam mais seguir o modo de vida e as práticas cristãs, e qualquer um que morresse nesse período iria direto para o inferno como herege).

Tal pratica tinha como objetivo colocar o povo contra seu governante e forçar sua derrubada de modo a recuperar a graça de Deus (qualquer semelhança com as sanções modernas que são ouvidas nos noticiários hoje em dia é mera coincidência).

O rei João ficou furioso quando soube do interdito. Anunciou que caso algum bispo inglês acatasse a Ordem papal, todos os monges e sacerdotes da Inglaterra seriam enviados a Roma com suas narinas entalhadas e seus olhos arrancados (amor cristão se vê aqui). Ignorando tais ordens bárbaras, os clérigos leram as ordens de interdito nas igrejas da Inglaterra no Domingo de Ramos em 1208 e todas as 8.000 igrejas no País foram fechadas.

Após 18 meses, vendo que as sanções papais não produziram o efeito desejável, Inocêncio III excomungou o rei João e convocou o rei da França, Filipe (não o que eliminou os Templários, mas sim um antecessor) para que liderasse uma cruzada contra a Inglaterra, prometendo que também se tornaria o rei desse País após tal guerra. Encantados com tal proposta assim como os demais benefícios do voto da cruzada (que iam desde perdão de todos os pecados até um lugar garantido no paraíso) Filipe e seus nobres iniciaram os preparativos para a guerra santa, para o desespero de João.

Sozinho e sem aliados, João enviou uma missiva a Roma dizendo que estava disposto a negociar. O papa enviou o cardeal Pandolfo como embaixador até a Inglaterra, sendo este recebido por João no porto de Dover, e não como era o padrão em Westminster. O rei inglês jurou ao cardeal que iria restituir todas as terras e tesouros da Igreja tomados, e foi ainda além:


"assinou um documento trazido pelo cardeal em que concedia toda a Inglaterra “a Deus e à Sua Santidade o Papa Inocêncio e a seus sucessores católicos”.

Basicamente, a Inglaterra havia se tornado um Estado papal sendo este seu verdadeiro senhor (João e seus sucessores poderiam reinar apenas na condição de administradores seculares, sujeitos às ordens do Papa e sobre o pagamento de mil marcos anuais a Roma). Após tal negócio as igrejas foram abertas e os ingleses puderam voltar a serem cristãos não hereges.

O único furioso com tal decisão de tornar a Inglaterra parte dos domínios diretos do Papa foi o rei Filipe da França, que havia gastado uma fortuna reunindo a cruzada contra João. Havia prometido a seus nobres terras em uma escala não vista desde que Guilherme, o Conquistador, dividiu a Inglaterra entre seus seguidores em 1066. Os franceses voltaram para casa desgostosos, não querendo ouvir mais nenhuma exortação sobre a glória de ir a qualquer cruzada.

“Mas o que isso tem a ver com a Carta Magna?” Calma que agora chegamos lá.


Uma vez que as atitudes de João para com a Igreja foram controladas, o papado não se importou em como eram tratados seus súditos seculares, e, como é de se esperar, continuou tão ganancioso quanto antes. Tal ganância, que comumente levava a violações dos acordos feudais de vassalagem com os barões ingleses, gerou uma revolta aberta, que ocasionou, como bem sabem historiadores e constitucionalistas, na Carta Magna, que confirmava e definia os direitos dos barões e limitava o poder do rei, dando assim um pequeno início para o que viria a ser a norma constitucional.

Quando soube da existência da Carta Magna, Inocêncio III ficou furioso, chamando-a de “contraria à lei moral”.


Como assim o rei é súdito do povo? O rei é súdito apenas do Papa. Que história é essa do povo fazer as leis e as passarem para o rei? É o Papa que faz as regras e as passava aos tronos seculares da Europa para que estes as impusessem.


Foi publicada uma bula papal condenado a Carta Magna e proibindo o rei João de obedecê-la. Qualquer um que tentasse fazer valer aquele documento seria excomungado. O então arcebispo Langton (aquele candidato do Papa que ocasionou todo o interdito da Inglaterra) se recusou a publicar a ameaça de excomunhão da Inglaterra por considerar a Carta Magna justa e foi removido de seu posto por Inocêncio III.

Como essa história acabou? Com o passar dos anos, os sucessores de Inocêncio III passaram a aceitar tacitamente a Carta Magna, não desejando ocasionar mais distúrbios na Inglaterra, bem como iniciar uma queda de braço com seus nobres, e os status de Estado Papal que a Inglaterra foi forçada a aceitar acabou por se tornar letra morta.

Da próxima vez que você questionar alguma regra da Igreja Católica, lembre-se que, segundo a interpretação de Inocêncio III, o simples fato de existir câmaras de vereadores e parlamentos já seriam um pecado digno de excomunhão.

FONTE: ROBISON. John J. Os Cavaleiros Templários nas cruzadas: prisão, fogo e espada. Madras, 2011.


Por DEMETRIUS SILVA MATOS

Advogado OAB/MA

Pós Graduado em Ciências Políticas pela Uninter

Autor do livro: "Direito na Ditadura - o uso das leis e do direito durante a ditadura militar"

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