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A HISTÓRIA SE REPETE: O FRACASSO DO BLOQUEIO CONTINENTAL DE NAPOLEÃO CONTRA A GRÃ-BRETANHA

  • Foto do escritor: Demetrius Silva Matos
    Demetrius Silva Matos
  • 9 de out. de 2022
  • 5 min de leitura


A menos que você esteja morando no mundo maravilhoso de Tichalu (que acabei de criar), certamente deve ter ao menos escutado falar sobre a atual disputa entre a Rússia e a “Comunidade Internacional” (leia-se os EUA e todos os Países que se consideram parte do mundo ocidental) em relação a Ucrânia.


Entre vários acontecimentos que não entrarei em detalhes neste post, estão as diversas sanções impostas pelos EUA e seus aliados à Rússia, em uma tentativa de prejudicá-la devido a suas ações na Ucrânia. Essas sanções se revelaram um tiro no pé, pois diversos Países da União Europeia estão sofrendo graves consequências devido à crise energética oriunda do embargo a recursos energéticos russos aos quais o mercado europeu era extremamente dependente, com ênfase no petróleo, no carvão e no gás. Sim, essas medidas da União Europeia são mais estúpidas quanto parecem.


A par dessas sanções, a Rússia permaneceu basicamente intacta desde o início dessa ofensiva sancionatória do Ocidente, o que muito frustrou os ocidentais que esperavam o imediato colapso russo. Essa situação foi possível devido principalmente a duas circunstâncias:


1) o grande aumento dos preços internacionais do petróleo e do gás (principais exportações russas) devido as sanções, o que lhes permitiu não só manter o fluxo de dinheiro antes das sanções como também aumentá-lo.
2) O fato de que basicamente todos os Países do Mundo exceto os EUA e seus aliados não se juntaram às sanções, continuando a manter relações comerciais normais com a Rússia, com destaque especial para os gigantes asiáticos Índia e China, que aumentaram drasticamente suas importações de recursos energéticos russos, praticamente substituindo com êxito o mercado da União Europeia.

Como pode ser inferido, essas sanções não têm capacidade para cumprir os seus objetivos devido a circunstâncias alheias à vontade de seus autores, e serão mantidas apenas por orgulho e prepotência daqueles que as imporem, para fingir que “fazem algo” para deter a guerra, que desde o seu início teve uma articulação do Ocidente.


Não sei vocês, mais essa situação me fez lembrar de outro momento histórico quando sanções realizadas para colocar um País de joelhos falharam devido a situações completamente alheias à sua vontade.


Estamos na Europa, nos primeiros anos do século 19, em plenas Guerras Napoleônicas. Napoleão Bonaparte, o jovem corso que rapidamente ascendeu na carreira militar a ponto de se converter em Imperador da França, estava em guerra contra praticamente todo o continente, que se recusava a aceitar tanto a sua posição quanto as reformas realizadas na França nos últimos anos.


Não que isso preocupasse muito o Leão de Nápoles, já que contava com o exército mais poderoso, bem disciplinado e armado de todo o continente, cujas vitorias remontavam desde o início de sua carreira em 1797 e mais de uma vez havia humilhado os inimigos da França.


Porém de todos os seus inimigos, havia um que Napoleão não poderia ameaçar com sua Grande Armée pelo simples fato de seu território não possuir uma rota terrestre: a Grã-Bretanha, um dos inimigos mais antigos e detestáveis pela França, que atuava como financiador das demais nações em guerra com o Império Francês.


Napoleão chegou a planejar uma invasão na Grã-Bretanha já no início da guerra em 1805, mas suas esperanças foram destruídas quanto a frota combinada de franceses e espanhóis (na época aliados da França) foi destruída pela armada britânica liderada por Horantio Nelson na batalha de Trafalgar. O exército francês até podia ser mais poderoso que sua contraparte britânica, mas em relação ao controle dos mares e ao combate naval, a Royal Navy era praticamente invencível.

Tendo sua esperança de invadir a Grã-Bretanha completamente descartada, Napoleão elaborou outro plano para forçar a rendição daquela “ilhazinha miserável”, segundo suas próprias palavras. Tendo em conta que a maior parte do dinheiro britânico era oriundo do comercio marítimo, em 21 de novembro de 1806 Napoleão estabeleceu o Bloqueio Continental, ao qual proibia que qualquer País do Continente europeu realizasse comercio com a Grã-Bretanha, e a consequência da violação desse bloqueio seria a imediata invasão do País “infrator” feita pela Grande Armée.


Napoleão esperava que esse bloqueio rapidamente esvaziasse os cofres britânicos e forçasse a sua rendição, mas como o próprio título desse texto revelou, não saiu tão bem quanto ele esperava.


Muitos estados europeus buscavam resistir ao máximo possível essa pressão sancionatória da França, dentre eles Portugal e a Rússia (a invasão do primeiro levou a criação das condições para a futura Independência do Brasil, enquanto a invasão do segundo, foi o início do fim do Império Frances).


Sem mencionar que os Estados europeus que realizassem o embargo, estavam sujeitos a represarias dos próprios britânicos, e não pensem que se tratava de uma simples nota de protesto como nos dias de hoje (existem relatos de que 2 de setembro de 1807 a Royal Navy realizou um bombardeio massivo na capital da Dinamarca, Copenhague, que causou a destruição de um terço da cidade e da morte de mais de mil civis como retaliação ao fato de que o rei da Dinamarca, Cristiano VII, seguiu o embargo).


O já mencionado controle britânico dos mares também permitiu que as mercadorias inglesas encontrassem outros mercados fora do continente Europeu, em especial no continente americano, onde os britânicos possuíam colônias importantes (tais como o Canadá e muitas ilhas no Caribe). Também existia o comercio com sua antiga colônia já independente: os Estados Unidos; e muito em breve iriam começar em toda a América Latina movimentos de independência por toda a região, que muito beneficiou os britânicos com esses novos mercados (aos quais Napoleão, pela distância geográfica e por não haver rotas terrestres, só poderia ficar frustrado sem poder fazer nada).


Vale lembrar que, no caso brasileiro, a Abertura dos Portos às Nações amigas feita por Dom João VI em 28 de janeiro de 1808, tinha justamente como objetivo fazer com que as mercadorias inglesas penetrassem na até então América Portuguesa, como forma tanto de ajudar seu “velho amigo” (Grã-Bretanha e Portugal eram aliados desde a Idade Média) quanto também para servir de “pagamento” pelo serviço de segurança (foi a Royal Navy a responsável por escoltar os navios portugueses que traziam a família real e o resto da corte de Portugal para o Brasil, já que existia a possibilidade de serem interceptados por navios franceses durante a viagem).

Por todos esses motivos, o Bloqueio Continental foi um gigantesco fracasso.


O que essa história tem a nos ensinar? Você é livre para tirar suas próprias conclusões, mas pelo menos para mim eu acho bastante irônico o quanto a história é cíclica: se no século 19 a Grã-Bretanha praticamente não sofreu danos devido ao bloqueio por contar com o mercado consumidor americano, agora no século 21 a Rússia igualmente permanece intacta das sanções por contar com o mercado consumidor asiático.

Eu sinceramente penso que os supostos “líderes do mundo livre” deviam ler novamente essa história.






Por DEMETRIUS SILVA MATOS

Advogado OAB/MA

Pós-graduado em Ciências Políticas pela Uninter

Autor do livro: "Direito na Ditadura - o uso das leis e do direito durante a ditadura militar"

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